domingo, 18 de abril de 2010

Tudo aconteceu numa reanimação cardiorespiratória...


Já não escrevia há muito tempo, mas esta semana vivi uma situação que me deixou um grande sentimento de impotência e que me obriga a deixar aqui uma pequena reflexão sobre o assunto.

Esta semana tinha um doente diagnosticado com uma neoplasia em fase terminal, parente directo de uma médica do meu serviço, que não sabíamos se era para iniciar manobras de reanimação caso tivesse paragem cardiorespiratória (não estava nada escrito no processo, como sempre)… E pronto, tudo aconteceu… Estávamos três enfermeiras de serviço e uma médica de urgência. Fomos chamadas por um familiar do doente, que disse que este vomitou. Quando chegámos ao local onde se encontrava o doente, este tinha aspirado vómito (perdoem-me a descrição ao pormenor). A minha colega iniciou a aspiração mas o doente começou a dessaturar (para quem lê e não é enfermeiro, começou a deixar de respirar correctamente)… Fui telefonar à médica de urgência, e nesse momento o doente entrou em paragem. A médica veio, já nós estávamos a fazer manobras de reanimação (pois na dúvida reanimamos sempre) e eu a ler o processo desesperadamente para ver se estava escrito em algum lado que não era para reanimar (o mais lógico nesta situação, mas que é uma decisão que não é tomada pelo enfermeiro). A médica não tomava a decisão!!! Estava a telefonar para a médica familiar do doente!!! Nós continuámos a reanimação, tentando ligar o ambu ao oxigénio e…. trá lá lá… o oxigénio não funcionava!!!!!!! Tivemos que arranjar outra solução enquanto a médica só gritava connosco como se a culpa fosse nossa!! Entretanto, decidiu que era para parar de fazer manobras, pois, como é lógico, era um doente terminal em fase muito avançada da doença e que não teria nenhuma qualidade de vida…


E enfim, desde esse dia que tenho estado a pensar bastante e cheguei a algumas conclusões:


· na maior parte das situações, tentam-se arranjar culpados em vez de soluções


· ninguém gosta de tomar decisões difíceis, mas cada um de nós deve saber quando devemos assumir a nossa responsabilidade, e neste caso, a médica deveria ter tomado uma decisão e evitou fazê-lo


· não se telefona a uma pessoa a perguntar se quer que reanime o seu familiar, na minha modesta opinião…


· porque é que não está sempre escrito nos processos se o doente é ou não para reanimar?


· o material dos nossos hospitais públicos é quase sempre uma porcaria, porque os nossos ministros poupam na saúde e quem paga é o utente


· os enfermeiros são pau para toda a obra, esforçam-se por salvar os doentes, e no final, ainda levam com as culpas do que correu mal (mesmo que a culpa não seja nossa)


· E, no caso do oxigénio… se tivesse sido um jovem de 30 anos? Fica para pensar…


sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Saudades...

Baloiçando a tua cadeira, com a tua mantinha, os teus cabelos já grisalhos, apanhados religiosamente num carrapito enrolado na cabeça, a contar as tuas histórias infantis, tal como aquelas avozinhas que todos nos lembramos de ver nos desenhos animados… É assim que me lembro de ti, uma pessoa doce, calma, que apesar de já ter vivido tantas coisas na vida, provavelmente muitas delas difíceis, conservava a bondade e paciência infinita de quem gosta realmente de crianças… É assim que quero lembrar-me de ti.
Por circunstâncias da vida, e às vezes pela falta de tempo que todos usamos como desculpa para não fazermos as coisas realmente importantes, apercebi-me que já não te vejo há mais de dez anos... Será possível? Será que o tempo passou assim tão depressa? Até custa a acreditar que a vida corra tão velozmente… Mas por um lado ainda bem. Não me lembro da avó Carmo que não se lembrava do nome dos netos ou, pior, que não os conseguia ver! Lembro-me das histórias que inventávamos e que obrigávamos a todo o custo que tu ouvisses…lembro-me de fazermos aqueles teatros e prepararmos os cenários todos…e lembro-me de aplaudires sempre, como fazem os espectadores atentos!
Hoje é um dia triste… Para todos os que te conheceram e conviveram contigo. Apesar de não estar a ver-te, no teu último dia na Terra, acredito que me estás a ver no teu primeiro dia no Céu. E isso deixa-me mais aliviada. A mim e às tuas restantes netas de Aveiro: a Daniela, a Marisa e a Marina. Sei que onde estás nos conheces a todas. E nós também não nos iremos esquecer de ti… Pois cuidaste de nós com todo o carinho do mundo, quando ainda éramos pequenas. Sei que de onde estás, continuas a cuidar de nós...

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

O Doente


“Quando se enfrenta a debilidade do homem e não a sua força, vai-se ao encontro do que há de mais íntimo e perturbador no ser humano e, daí, que o êxito ou fracasso no relacionamento dependa das nossas capacidades para encararmos o sofrimento humano.”



Começo por dizer que utilizo constantemente a palavra “doente”, apesar de saber que provavelmente não é a forma mais indicada de me referir à pessoa, principalmente devido às implicações para o próprio doente. Tenho ouvido vários termos na tentativa esforçada de substituir a palavra “doente”. Contudo, ainda não encontrei alternativas satisfatórias: pessoa doente, pessoa hospitalizada, utente, paciente ou ainda cliente (sinto-me especialmente renitente em relação a esta última). O que na realidade acabo por fazer é adaptar o vocabulário à situação e utilizar a palavra ou expressão que me parece mais apropriada em cada caso (se é que isto é possível).

Muitas vezes, na profissão de Enfermagem, esquece-se algo muito importante e que é o centro das nossas intervenções - o Doente. Pode parecer estranho dizer que “esquecemos” o doente. O que pretendo dizer com isto é que damos por nós muitas vezes a fazer tudo de uma forma tão mecânica que nem pensamos realmente naquilo que o doente deseja, pensa ou sente. Isto é algo que tento a todo o custo evitar de fazer, pois é o primeiro passo para nos tornarmos os chamados “enfermeiros frios”. Penso que saber cuidar da pessoa é, primeiro que tudo, colocar-me na posição do outro, pois só assim podemos prestar cuidados de qualidade. Como diz um autor que aprecio, “tentar olhar com os olhos do outro, tentar pensar com a cabeça do outro e tentar sentir com o coração do outro, abre-nos novas perspectivas relacionais, através da empatia”.

Para o doente, o internamento desencadeia uma crise emocional porque se encontra num ambiente estranho, quantas vezes de sofrimento, rodeado de pessoas que não conhece, recebendo “visitas” das pessoas com quem convive diariamente e perdendo, por vezes, a sua privacidade. A minha curta, mas proveitosa, experiência fez-me perceber que cuidamos realmente do doente quando conseguimos fazer com que ele se sinta praticamente “em casa” e isto é muito difícil de fazer.

Tendo em conta que o doente é uma pessoa como qualquer um de nós, mas numa situação hospitalar, é normal que tenha a sua própria personalidade durante o internamento. No nosso dia-a-dia lidamos com pessoas muitos diferentes, o que exige de nós uma adaptação que muitas pessoas nem imaginam! Temos que estar preparados para COMPREENDER, independentemente dos nossos valores, dos nossos sentimentos nesse dia, mesmo que tenhamos os nossos próprios problemas… Esta parte nem sempre é fácil, é preciso saber gerir as emoções e colocar em primeiro lugar a razão do nosso trabalho: o doente.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Porquê ser Enfermeira?

Não sei bem qual foi o dia exacto em que decidi ser enfermeira… até porque já fiz essa escolha há muito muito tempo… Penso que a pouco e pouco fui percebendo que, acima de tudo, gostaria de trabalhar para e com pessoas e a profissão de enfermagem sempre me cativou pelo seu carácter humano e de certa forma enigmático.

Tenho realizado muitas vezes uma espécie de pequeno balanço onde comparo o dia em que entrei no curso de enfermagem e o momento em que me encontro agora. Tantas experiências que me fizeram realmente crescer… apercebo-me cada vez mais da grande mudança na minha percepção acerca da Enfermagem desde o dia em que escolhi ser enfermeira e o dia de hoje…
As várias (que são ainda poucas) experiências que tenho vindo a viver ensinaram-me a ver para lá dos meus horizontes, a perceber a importância do respeito e da empatia, a sentir na pele a importância de ajudar alguém, a ter os primeiros contactos com aquela que é a profissão que tem como centro de toda a sua existência a pessoa.


Olhando para trás, apesar de desde há muito tempo desejar ser enfermeira, sei que não conhecia totalmente tudo o que isso envolve… Tenho também a plena noção que ser enfermeira mudou vários aspectos da minha personalidade. Isto porque uma das coisas que também aprendi é que esta é uma das poucas profissões em que a nossa personalidade afecta muito o tipo de trabalho que realizamos e vice versa… o que fazemos tem resultados visíveis e imediatos na pessoa doente com que lidamos e o que vivemos no trabalho marca também a nossa forma de ser e pensar…

Ser enfermeira tem ultrapassado as minhas expectativas e, apesar de todas as contrariedades, sinto que fiz a escolha certa e é muito dificil imaginar-me a ser e fazer outra coisa… Tal como canta a Mafalda Veiga, durante todo o meu percurso até aqui “fui aprendendo a procurar por entre os sonhos meus”, que é o que todos tentamos fazer da melhor forma possível. A meu ver, o sentido da vida está em ser o que somos e tornarmo-nos aquilo que somos capazes de ser. A profissão de Enfermagem é uma parte da procura daquilo que considero, para mim, o sentido da vida.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A minha primeira doente

Vesti a farda (oferecida com tanto carinho pela minha avó) e pensei: “Nem acredito que já cheguei até aqui”… Senti-me ansiosa e, como é natural, com receio do desconhecido.
Reportando-me ao meu primeiro dia de Estágio hospitalar, lembro-me essencialmente de me sentir completamente perdida e de ter ficado responsável por uma senhora idosa, de poucas conversas, que raramente convivia com outros utentes internados ou com os técnicos de saúde. Após várias tentativas de diálogo com a senhora, o resultado era o mesmo: a senhora não falava, não correspondia.
Um dia lembrei-me de lhe perguntar se queria ir até à janela para me mostrar o que conhecia de "P" já que eu pouco ou nada conhecia. Ela disse que também não conhecia muito bem a cidade (não vivia em "P") e então resolvi dizer-lhe eu o que sabia. A partir daí, a senhora pedia-me todos os dias para ir até à janela. Na altura, encarei a situação de forma até um pouco egocêntrica: “consegui que a senhora falasse!”. Mais tarde, pude perceber que não fui propriamente eu, mas sim o tempo que disponibilizei a falar com ela, a atenção e o carinho que lhe dei.

Com a experiência, tornamo-nos mais humildes – na minha opinião, condição essencial para se ser um bom profissional de qualquer área e para se saber trabalhar em equipa, na medida em que toda a verdadeira ajuda começa na humildade. A meu ver, só conseguimos ajudar se adoptarmos uma atitude humilde para com a pessoa que pretendemos ajudar. A ajuda não pode ser dominadora, mas sim um serviço.

A relação de ajuda é algo extraordinário, mas delicado. Compreendi também que, por vezes, a senhora não falou porque preferiu ouvir. Aprendi que devemos respeitar o silêncio das pessoas e, em determinadas situações, nós próprios fazermos silêncio. Saber ouvir, ou melhor, escutar as pessoas é um grande passo para a relação de ajuda.